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repertório dos paradigmas de som

Dinâmica

Grau de variação de energia de um som ou de uma sequência sonora. Pode actuar através de diversos subparadigmas instrumentais: variações de potência sonora, de ritmo/andamento, de timbre, etc.

Tomo este termo emprestado da física mecânica, onde designa relações de força e movimento.

No domínio da acústica e da audição, o termo «dinâmica» denota as variações quantitativas dos efeitos elementares que constituem uma sequência sonora. As escolas clássicas (acústica, electroacústica, musical) dão conta de pelo menos um vector dinâmico que pode ser facilmente quantificado na sua totalidade: a intensidade ou potência do som. A este acrescento outros três que podem ser quantificados: a tonalidade, o timbre e o ritmo/andamento.

Quando uma sequência sonora mantém a intensidade, o timbre, o ritmo – em suma, quando as qualidades e quantidades de energia envolvidas ao longo do eixo temporal não apresentam grandes variações –, diz-se que a sequência tem pouca dinâmica; inversamente, quando apresenta mudanças acentuadas de intensidade, ritmo ou timbre, diz-se que tem elevada dinâmica.

As variações dinâmicas actuam sobre os vectores mensuráveis e portanto é seguro abordá-las também do ponto de vista da categoria dos paradigmas elementares. Sucede, contudo, que por vezes o somatório das variações dinâmicas produz ganhos qualitativos ao nível da percepção e da construção de significado, e nesses casos a dinâmica encaixa-se também na categoria dos paradigmas de composição – como avisei de início, as categorias paradigmáticas não são dicotómicas nem mutuamente exclusivas; podem coexistir e agir entre si.

As estratégias de alteração dos vectores dinâmicos são decisivas no agenciamento das emoções do espectador/ouvinte. Por exemplo, as mudanças de intensidade (positivas ou negativas) resultam por regra em reforço da atenção do ouvinte. Perante uma descida progressiva de intensidade, nota-se muitas vezes que o ouvido se vai aguçando, tentando captar aquele objecto em fuga lenta; este reforço da atenção é muitas vezes acompanhado de um movimento do corpo, em busca de uma melhor captação dos sons que se vão esvaindo. Neste último caso, estamos perante um efeito de atracção/repulsão.

Simetricamente, ao uso intencional de uma dinâmica nula corresponde por vezes uma estratégia de amortecimento dos sentidos, como acontece quando sopramos ou esfregamos de forma repetitiva uma zona dorida do corpo, para anular a percepção da dor. Este efeito, que tantas vezes utilizamos de forma intuitiva, encontra formas equivalentes nos outros sentidos, em particular na audição. Um estímulo auditivo uniforme tende a amortecer a atenção, ou, se preferem, tende a libertar a capacidade de focagem para a busca de novos objectos. Numa toada monocórdica prolongada, a atenção vai sendo reduzida ao mínimo necessário e só voltará a entrar em acção quando a toada for interrompida.

Noutros casos, a ausência de dinâmica favorece uma espécie estado hipnótico ou transeúnico, como acontece com certas batucadas minimais, ou com certos sons de drone. Em sentido figurado, podemos dizer que nestes casos o «mantra» sonoro embota os sentidos de forma a ignorarmos tudo o mais à nossa volta e centrarmos a atenção num único alvo, que tanto pode ser interior (subjectivo) como exterior (objectivo).

A música contemporânea (minimal, serial, etc.) é fértil numa série de processos que permitem abdicar de variações de intensidade, compensando-a com dinâmicas baseadas em microvariações melódicas, tímbricas, etc.

Exemplo: 2ª parte do poema «Tabacaria», de Álvaro de Campos, lido por Mário Viegas (consultado em 17/11/2024). O poema é declamado com intensidade constante, mas as variações de ritmo conferem-lhe dinâmica. Repare-se no uso de pausas e silêncios (cortes), que abrem um espaço de tempo necessário ao trabalho de imaginação do ouvinte (construção de significado), em contraponto com trechos onde se dá aceleração rítmica. Nestes trechos a aceleração é aceitável sem prejuízo da imaginação, seja porque as imagens sugeridas são mais fáceis de produzir, seja porque podem permanecer num nível mais abstracto; em compensação, a construção de ritmos silábicos promove a construção de estados de espírito.

As variadas formas qualitativas e quantitativas da dinâmica sonora podem combinar-se de inúmeras maneiras, oferecendo ao trabalho criativo um leque combinatório virtualmente infinito.

Comparação entre a aproximação de Augoyard e a minha em matéria de dinâmica sonora

No seu repertório de efeitos, Augoyard apresenta uma série de variantes dinâmicas como efeitos por direito próprio: a compressão, a limitação, o trémulo, o vibrato, etc. Do ponto de vista aqui adoptado, que é o da análise de paradigmas sonoros, isto é, modelos genéricos de som, penso que todos esses efeitos podem ser considerados como variantes de um paradigma geral: a dinâmica dos sons ou das sequências sonoras. A lista de efeitos de tipo dinâmico apresentada por Augoyard pode ser vista como uma lista de artifícios técnicos com resultados dinâmicos, ou, como lhe chamei mais acima, um conjunto de subparadigmas instrumentais que permitem construir vários tipos de dinâmicas.

É compreensível que quem lida com as artes sonoras sinta a necessidade de perceber como funcionam alguns dos artifícios ligados à dinâmica sonora. Por isso faculto um conjunto de fichas anexas com explicações sumárias sobre os recursos instrumentais dinâmicos:

Rui Viana Pereira, 2000 ► última revisão: 17-11-2024
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