Máscara
Utilização de um som com o fim de ofuscar outro som.
Embora este efeito possua características físicas mensuráveis, só ao nível psicofisiológico e perceptivo o entendemos como efeito sonoro.
Muitas vezes basta um som de ligeira intensidade para mascarar um ruído muito intenso. Contudo, certos sons baseados em frequências muito puras situadas na zona de maior acuidade da audição humana são praticamente impossíveis de mascarar – é o caso de sinais sonoros como os dos sistemas de alarme, que não necessitam de grande potência sonora, e não são mascaráveis em situações de grande confusão sonora.
O som que serve de máscara a outro pode ser apreendido como agradável (caso da música ambiente nos locais com grande quantidade de máquinas emissoras de ruído) ou desagradável (caso dos ruídos ambientes que mascaram a nossa conversa telefónica, por exemplo).
Para além dos efeitos puramente físicos, o efeito de máscara reduz a intensidade subjectiva do som mascarado. Mesmo que a soma dos dois sons produza uma grande potência acústica, o ouvinte sente uma redução de intensidade, isto é, do ponto de vista perceptivo o som mascarado é minimizado ou deixa de existir.
Sociologia e cultura quotidiana
Os ruídos orgânicos produzidos pelas pessoas nas retretes têm uma carga negativa: o utente sente a sua intimidade devassada, sabendo que do outro lado da porta toda a gente está a ouvi-lo; o som pode tornar transparentes as paredes e as portas, como se toda a casa fosse feita de vidro. Um estudo económico e sociológico veio demonstrar que esta situação era a causa de elevados níveis de consumo de água em certas empresas, pois no exemplo dado a solução óbvia e intuitiva do utente da retrete consiste em fazer descargas sucessivas do autoclismo, criando uma máscara sonora eficaz. Muitas empresas optaram por instalar altifalantes a transmitirem ruído branco ou música ambiente nas casas de banho, a fim de pouparem no consumo de água.
O conceito sonoro de máscara não anda tão distante do conceito antropológico e etnológico de máscara como se poderia imaginar. De facto, muitas máscaras sonoras encontram-se intimamente ligadas a rituais sociais e às relações quotidianas.
Máscara e morte
O hábito de criar um ruído ambiente artificial (música ambiente, TV ou rádio ligadas 24 horas por dia, etc.) pode também ter alguma relação com o «horror do vazio sonoro» e o medo da morte/solidão.
Máscara e festa
Durante certas festas dedicadas à transgressão (o exemplo clássico é o Carnaval, mas actualmente pode-se dizer que foram instituídas com periodicidade semanal), a utilização de música e outros ruídos tonitruantes produz uma máscara que enfraquece o poderio das regras e instituições (laços familiares, comportamentos sexuais, etc.).
Máscara e poder
Os hurros dos soldados em combate mascaram não só os gritos e gemidos dos feridos, mas também o medo próprio. Para dar outro exemplo menos dramático, num trabalho de campo por mim efectuado em Torres Vedras, no Carnaval de 2002, fiquei com a clara impressão de que a potentíssima aparelhagem de som instalada pela Câmara Municipal por toda a cidade constituía uma máscara sonora de poder. A presença tonitruante e ubíqua da autoridade não deixou margem para dúvidas sobre quem organizava e controlava o Carnaval desse ano e teve efeitos evidentes nas relações interpessoais e no bom comporamento geral da população (não assisti a grandes comportamentos transgressores em público...).
Durante as grandes demonstrações colectivas de poder (paradas, comícios, etc.) utiliza-se música ambiente, tão alta quanto possível; esta máscara, que impede o destaque público de qualquer voz individual, só é suspensa para dar a palavra aos chefes e seus representantes.
Máscara e intimidade
Nas habitações de baixa qualidade de construção e isolamento, certos ruídos de intimidade são mal suportados pelos vizinhos, que nesse caso agradecem a utilização abusiva das aparelhagens de som, como máscara para não tomar conhecimento da intimidade alheia.
O excesso de volume de som em certos bares tem efeitos físicos evidentes: sob o peso da máscara sonora, a intimidade das conversas fica defendida, ao mesmo tempo que a comunicação entre duas pessoas exige a distância mínima, ou seja, o contacto físico.
Uma observação atenta dos passageiros do Metro em Lisboa mostra que uma enorme percentagem da população prefere a utilização de walkman a ter de ouvir o ruído ambiente e as conversas alheias.
Resumindo, existe uma relação directa entre máscara e intimidade. Duma maneira geral, a máscara (designadamente a sonora) desempenha um papel muito importante nas relações interpessoais.
Psicologia e fisiologia da percepção
Existem bastantes estudos sobre a percepção que abordam o efeito de máscara e suas variantes. Estes estudos têm de considerar dois aspectos: audibilidade (fisicamente mensurável) e inteligibilidade (dependente da motivação e de outros factores pessoais e culturais).
Existem normas internacionais, com adaptações a cada língua e país, com tabelas de relação entre o ruído interferente e a inteligibilidade da mensagem falada; as comunicações telefónicas, por exemplo, devem obedecer a estas normas.
Estética musical
A orquestração põe sempre em jogo efeitos de máscara. Os naipes de instrumentos mascaram-se e desmascaram-se mutuamente. O funcionamento destas máscaras orquestrais pode basear-se em jogos de timbre, de volume ou de harmonização. A utilização recente dos computadores na composição musical veio criar novas modalidades de mascaramento, mas seria necessário muito mais espaço para expor aqui o vasto universo criado pelas novas técnicas.
Expressões mediáticas
A literatura ocidental é rica em descrições de ambientes sonoros e dos efeitos de máscara, bordão, etc. Por outro lado, hoje em dia o excesso de mediação sonora acaba por mascarar a própria comunicação, por assim dizer. Muitas pessoas que mantêm o rádio ligado todo o dia estão a criar uma autêntica máscara cerebral.
No cinema, o efeito de máscara tem sido utilizado das mais diversas maneiras. Uma cena típica, já utilizada em mais do que um filme, é a da personagem que vai para debaixo da ponte de caminho de ferro e espera a passagem do comboio para gritar a sua raiva ou desespero – a imagem é tanto mais forte quanto o espectador não ouve os gritos da personagem, mas apenas a passagem tonitruante do comboio.
Arquitectura e urbanismo
Os fontanários, por exemplo, produzem máscaras de largo espectro que abafam o ruído do trânsito e portanto tendem a ser considerados sons agradáveis. Em compensação, quando construídos em bairros muito calmos, onde nada existe que mereça ser mascarado, tornam-se incomodativos e provocam protestos.
O próprio fluxo rodoviário urbano actua como máscara de outros sons (ruídos das fábricas e estaleiros, etc.).
O ruído do trânsito é um dos maiores quebra-cabeças da habitação urbana: as medidas de isolamento adoptadas num bairro calmo podem ser insuficientes em zonas de grande tráfego. Em contrapartida, um isolamento óptimo em bairros muito calmos pode ter efeito negativo, porque a ausência total de rumores vindos do exterior provoca em muitas pessoas sentimentos de solidão, depressão e morte.
Nos grandes espaços de escritório e comércio, a partir de uma certa época os gabinetes deixaram de existir em salas com paredes rígidas e passaram a ser implantados em grandes espaços abertos, apenas separados por divisórias acústicas de meia altura. Em vez de se investir em materiais dispendiosos de isolamento acústico, é o próprio ruído geral das conversas que, flutuando em todo o espaço, actua como máscara dos sons individuais. Dentro de cada gabinete as condições de comunicação e inteligibilidade são suficientes; mas no plano geral, a amálgama de vozes que extravasa as divisórias forma uma massa confusa, defendendo a intimidade de cada um.
Acústica e física
Como já se disse, a máscara é um efeito eminentemente perceptivo. A relação de volumes entre a máscara e o som mascarado pode variar imensamente, consoante os casos.
Nos últimos anos têm-se desenvolvido técnicas de contra-ruído que consistem em emitir uma cópia do som ambiente desfasada. O som original é captado e reemitido, mas invertido, de forma que a soma dos dois se anula.
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