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repertório dos paradigmas de som

Eco e réplicas

Cópias sucessivas e mais ou menos embotadas de um som, enformadas pelo espaço onde se situa a acção sonora.

Categorias: elementar
Variantes: eco, pré-eco

O eco consiste num conjunto de réplicas mais ou menos fiéis de um som, quando ocorrem a intervalos de mais de 50 milésimos de segundo. No entanto, a reverberação também consiste na produção de réplicas! Como distinguir as duas?

Quando as réplicas ocorrem a intervalos de menos de 50 milissegundos, são entendidas como reverberação; o nosso sistema perceptivo não faz uma distinção entre o original e os seus reflexos – o conjunto {original + réplicas} será entendido como um objecto único. Paradoxalmente, isto não impede a nossa percepção de interpretar os mais variados tipos de reverberação e recolher a informação que ela transporta: volume do espaço reverberante, características (mais ou menos reflectoras) do mobiliário, etc., o que explica o facto de os cegos bem treinados serem capazes de descrever uma sala quase como se estivessem a vê-la.

No eco, pelo contrário, as réplicas surgem a intervalos supriores a 50 ms e cada uma delas é percebida como um objecto à parte, não se confunde com o som original. É exactamente por esse motivo que (simplificando) cada sílaba, para ser detectada e entendida como uma unidade fonética autónoma, tem de durar mais de 50 milissegundos, sob pena de o discurso se tornar ininteligível.

O eco é, à partida, um fenómeno natural, fácil de encontrar nas montanhas, nas catedrais e noutros grandes espaços, bastando a existência de uma parede (uma vertente montanhosa, por exemplo) para gerar as réplicas do som emitido. Como o som se propaga aproximadamente à velocidade de 343 m/s, se nos encontrarmos num vasto espaço delimitado, a nossa voz atravessa o espaço, reflecte-se na parede oposta e regressa aos nossos ouvidos como outra voz, como uma resposta à nossa própria voz – neste caso, a sala tem de ter pelo menos 343 x 0,050 m = 17,15 m.

Embora a reverberação e o eco sejam fenómenos naturais, também podemos simulá-los por meios electroacústicos. Podemos mesmo extrair a «assinatura acústica» de uma sala e apô-la a qualquer som que tenhamos gravado, colocando assim virtualmente o som (e a personagem que o emitiu) naquela sala.

Esquema representando a reverberação, isto é, as reflexões de um som no chão e nas paredes de uma sala. (Figura adaptada da Wikipedia)

O esquema da figura anterior, por ser totalmente quantificado, pode ser usado num computador para simular a reverberação típica de uma sala («acoustic signature», para usar a expressão inglesa consagrada). Cada espaço físico é acusticamente diferente de todos os demais, de modo que os «pauzinhos» do esquema acima, a sua sequenciação, volumes, tempos, etc., será única para cada sala. Assim, por paralelismo com a expressão «impressão digital», que também é única para cada pessoa, a expressão inglesa acoustic signature poderia ser melhor traduzida por «impressão acústica».2

A ecolocalização

O eco é usado não só como artifício de construção sonora, mas também em numerosas actividades quotidianas dos seres vivos. No caso dos seres humanos, temos o sonar, alguns aparelhos médicos de imagiologia, etc. No caso das baleias e morcegos, serve para detectar a presença de alimento sem recurso à visão, como mostra o esquema abaixo.

Ecolocalização nos morcegos e baleias. (Imagem extraída de Brasil Escola)

Diferenças paradigmáticas entre reverberação e réplica

A diferença entre reverberação e réplica ajuda-nos a compreender a utilidade da classificação paradigmática das sequências sonoras.

Um som e a sua reverberação são percebidos, como já vimos, como uma unidade, uma totalidade. Além disso, permitem-nos deduzir uma quantidade de coisas acerca do espaço onde se desenrola a narrativa sonora: dimensões, características acústicas das superfícies, etc.

Uma réplica, por seu lado, apresenta-nos um som original e uma ou mais cópias deturpadas desse som, entendidas como objectos sonoros separados. Tal como a reverberação, o eco permite-nos imaginar muita coisa acerca do espaço circundante, mas a aparente autonomia das réplicas permite supor uma intenção do autor, seja ela qual for, que vai mais além da construção de um espaço cénico. Por exemplo, se eu quiser representar a voz de Deus, posso usar o eco ou outra forma de réplicas da voz para representar a imensidão do espaço onde navega essa entidade, a sua ubiquidade e o seu poder (visto que a multidão de réplicas da voz, se construída de maneira adequada, pode enformar a ideia de uma potência infinita, ou o coro de um exército poderoso)1 – exactamente o oposto da reverberação, que pressupõe a ideia de um espaço delimitado, uma cela onde se manifesta o isolamento de uma voz única. Todos (?) temos experiência de que a  cada eco de um trovão longínquo, novas e mais vastas dimensões são reveladas sucessivamente, sugerindo em certos casos um sentimento de infinitude.

No caso do pré-eco, a réplica antecipa o som original.

Variantes:


Notas:
[1] Na hora de construir réplicas numa sequência sonora, são muitas as formas possíveis de o fazer, mas haverá sempre um reduzido número de soluções ideais para exprimir a intenção em causa. A resolução, caso a caso, dessas opções é o que se chama Estética, mas essa é uma entidade que não foi convidada para esta festa.
[2] A «impressão acústica» é muito utilizada para fins militares, entre outros, porque cada objecto onde o som se reflecte produz réplicas bem definidas. Assim, torna-se possível detectar a natureza dos objectos reflectores (submarinos, fundos marinhos, ou, no caso das baleias e morcegos, diversos tipos de presa de caça), bem como a sua localização, distância e até, por meio da combinação entre o efeito de eco e o efeito doppler, a velocidade de deslocação. Podemos encontrar o uso militar da ecolocalização na Wikipedia (consultado em 13/11/2024).
Rui Viana Pereira, 2024 ► última revisão: 18-11-2024
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