Atraso e antecipação
Introdução real ou fictícia de um som, desfasada do contexto a que pertence.
categorias: mnemoperceptiva; composição
Note-se que Augoyard define o efeito de antecipação como uma situação em que o ouvinte escuta um som que ainda não existiu. Optei por incluir todos os casos em que o som (seja ele real ou imaginado) é ouvido antes de tempo ou antes do contexto a que pertence.
Variantes elementares
A antecipação é frequente no dia-a-dia. Por exemplo, quando esperamos a chegada de alguém conhecido, pode acontecer ouvirmos a voz dessa pessoa – e portanto anteciparmos a sua chegada – antes de ela virar a esquina e tornar-se visível. A expectativa irá criar reacções subjectivas correspondentes (efeitos).
O seu oposto é o atraso: caso de um relâmpago, cujo trovão chega até nós segundos depois de o vermos – mas a nossa percepção/memória antecipa geralmente o trovão, deixando-nos na expectativa se ele não soar; donde resulta que, num só exemplo, encontramos um atraso (material) e uma antecipação (perceptiva).
Variantes mnemoperceptivas e imaginárias
Pode acontecer escutarmos um som esperado ou receado, ainda que nenhum som real tenha havido. No exemplo do relâmpago dado acima, pode acontecer que a nossa memória antecipe o trovão.
Quando na expectativa de um som desconhecido, é comum que o antecipemos imaginariamente por efeito do aparecimento de qualquer ruído inesperado: tomamos o conhecido pelo desconhecido, num jogo que tem o seu quê de metafórico. Imaginemos que nos emprestam uma casa para passarmos uma temporada numa região que desconhecemos, e que juntamente com as chaves da casa nos entregam o seguinte recado: «Quando ouvires a corneta do carteiro, tens de ir à janela e perguntar se há correio para nós». Se nunca ouvimos a corneta do correio e desconhecemos o seu som, é natural que a antecipemos em sobressalto, em resposta a qualquer ruído inesperado que se destaque no ambiente sonoro em que estamos mergulhados.
Outro exemplo bem conhecido é o dos jovens pais que julgam ter ouvido o choro do bebé, ainda que o som não exista de facto; basta uma porta chiar, um gato miar, para perceberem esses sons como um queixume infantil. A mesma expectativa temerosa ocorre em situações de guerra.
Neste tipo de casos, a anamnese desempenha um papel fundamental, provocando uma antecipação sonora fictícia.
Expressões mediáticas
É corrente, ainda que não constitua uma regra fixa, a montagem cinematográfica, ao fazer um corte, antecipar alguns centésimos de segundo o som da cena seguinte. Se essa antecipação não for feita, o espectador pode ter a sensação de que existe um hiato no som do filme, ou que o som não é síncrono com a imagem. Isto deve-se ao funcionamento da percepção auditiva e visual, e à relação entre ambas.
Inversamente, acontece por vezes o realizador optar por cortar visualmente uma cena mas deixar correr o som correspondente sobre a cena seguinte.
Estética musical
Na música ocorrem formas particulares de antecipação. A mais simples, numa sequência musical, é a chegada de uma nota ou acorde antes do seu tempo rítmico normal, por vezes anotada nas partituras clássicas com o termo antecipando, por oposição à anotação a tempo ou à anotação retardando. Genericamente, em música, chama-se síncopa à deslocação das notas para fora do seu tempo «natural», adiantando-se ou atrasando-se em relação aos tempos fortes.
Outra forma de antecipação musical tem a ver com o uso de cadências, que são acordes que antecipam a conclusão da presente frase e a chegada da frase seguinte.
Inversamente, o atraso ou retardando pode em muitos casos apelar à memória ou à construção de sentido: sabendo que uma determinada nota ou frase musical tem de seguir-se, a nossa imaginação antecipa-se à chegada efectiva da frase.
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