Skip to content
repertório dos paradigmas de som

A validação das representações visuais e sonoras

As observações de Flusser a propósito da fotografia podem ser transpostas para o estudo da gravação e reprodução sonoras, nos seguintes moldes:

Primeiro, a ciência cria uma imagem abstracta do mundo, formulando várias teorias. Depois, essas teorias são aplicadas num aparelho capaz de produzir um registo codificado. Por fim, esse registo é transcodificado na forma de som ou imagem concretos. O resultado final contém tanto o retrato de uma visão abstracta do mundo (o conjunto das teorias científicas que sustentam o aparelho de registo e o aparelho de reprodução), quanto o retrato de um objecto concreto (representação a uma ou duas dimensões de um objecto sonoro ou visual). Por outras palavras, a fotografia e as gravações de som são torres de símbolos construídos em cima de símbolos.

E no entanto, apesar deste labirinto de codificações, o sistema funciona – conseguimos reconhecer os objectos representados, por mais distorcida que seja a meta-representação final. Este sucesso tem a ver com o funcionamento dos nossos aparelhos cognitivo e perceptivo, capazes de, a partir de uma representação da realidade desprovida de uma ou várias das suas dimensões, «reconstituírem» os objectos representados no áudio ou na fotografia.

A fotografia tem apenas duas dimensões, ambas espaciais. Compete ao leitor reconstituir as dimensões em falta nessa virtualidade, de forma a referir a imagem a uma realidade íntegra, no espaço e no tempo.

As sequências sonoras desenrolam-se numa única dimensão (o tempo) e colocam um problema semelhante: compete ao ouvinte reconstituir o objecto retratado, isto é, as três dimensões em falta, o espaço físico e arquitectónico inscrito no som, porque não existe som sem espaço substantivo.

Excerto de «At the Dentist», in Brainweather, de Jon Rose
Dois espaços distintos (primeiro um espaço reduzido de elevador, sem reverberação, depois uma sala com alguma reverberação), juntos sequencialmente por corte e colagem, e várias acções. Tudo isto tem de ser reconstituído pelo ouvinte, a partir de uma sequência sonora. A mudança de reverberação (por corte), embora subtil, é a chave que permite imaginar dois espaços distintos.
Rui Viana Pereira, 2000 ► última revisão: 09-11-2024
visitas: 1

This website uses cookies to ensure you get the best experience on our website