A noção de efeito sonoro
No início dos anos 1980 o CRESSON (Centre de Recherche sur l'Espace Sonore et l'Environnement Urbain [Centro de Investigação do Espaço Sonoro e do Ambiente Urbano], inserido na Escola de Arquitectura de Grenoble) começou a analisar o problema da falta de instrumentos de estudo do meio ambiente sonoro, partindo do princípio que esses instrumentos deveriam obedecer a três critérios:
- interdisciplinaridade
- escala urbana
- integração de outras dimensões além da estética.
A investigação aplicada nestes três campos conjugados deu origem à noção de efeito sonoro e desenrolou-se em 4 vertentes principais:
- demarcação sonora dos espaços habitados
- codificação sonora das relações pessoais
- sentido e valor simbólico das percepções e acções sonoras quotidianas
- interacções entre os sons ouvidos e os sons produzidos.
Os resultados destes inquéritos foram analisados como efeitos, isto é, fenómenos relativos a um contexto e aliados a acções.
Será possível medir e analisar todos esses fenómenos? Alguns, como é o caso dos efeitos ligados à memória e à semântica, têm carácter puramente qualitativo; são alheios ao domínio da ciência acústica e não são mensuráveis. Outros, no entanto, dependem directamente do contexto espacial. A acústica aplicada mostra-nos como o espaço, o volume, a forma, o material circundante condicionam a propagação sonora; mas a compartimentação urbana, os planos rodoviários, a distribuição das actividades socioeconómicas também fornecem informações que actuam sobre a percepção sonora.
Para definir um ambiente urbano não bastam as noções clássicas de acústica; é preciso ter em conta outros aspectos, relativos uns ao sujeito passivo (o utente do espaço), outros ao sujeito emissor. Entre ambos fica o espaço de propagação e a organização social, incluindo o regime de produção e de poder.
A solução usada no CRESSON para ultrapassar as limitações dos métodos preexistentes passou por repescar das correntes filosóficas clássicas a noção de efeito, abandonada durante séculos. Esta noção tem a ver com situações e comportamentos (circunstâncias, acidentes e éticas) e vem do estoicismo; leva em linha de conta não apenas a fenomenologia e os efeitos mensuráveis, mas também as percepções e o comportamento dos sujeitos activo (o emissor) e passivo (o receptor) do som.
Para aprofundarmos a noção de efeito sonoro, comecemos por recordar a necessidade de fazer uma distinção rigorosa entre os objectos em si mesmos e os fenómenos que os acompanham: o emissor sonoro, o som emitido, o espaço envolvente, o ouvinte e os vectores sociais e culturais. Esse universo constitui um todo. A noção de efeito sonoro trata da relação física, psicológica e cultural que se estabelece entre o emissor, o som, o espaço envolvente e o ouvinte. O estudo deste quadrinómio não é fenomenológico, mas sim ético.
O som em si mesmo não contém sentido. O efeito de um som depende de quem ouve, da cultura envolvente e das circunstâncias; varia com o ouvinte, a sua cultura, o ambiente físico e emocional. Somos nós que atribuímos sentido a tudo quanto nos rodeia.1
A noção de «beleza» também não tem lugar neste modelo de estudo – faz tanto sentido discutir aqui se um som é belo ou feio, como discutir nomes bonitos e nomes feios. Gabriel soa melhor que Ezequiel?, ou vice-versa? Não me parece que a pergunta faça muito sentido (excepto no caso dos pais babados…); mas não duvido por um instante que todos os nomes são também eles referentes históricos, etimológicos, míticos, culturais, e portanto portadores de significado.
Para identificar os efeitos de som, é indispensável partir da investigação de campo multidisciplinar e recorrer aos métodos consagrados em cada uma das ciências envolvidas: sociologia, antropologia, acústica, etc. A especulação pura (filosófica ou outra) não nos permite identificar novos efeitos, porque irá partir precisamente daquilo que já sabemos (ou julgamos saber), em vez de revelar o que desconhecemos.
Princípios teóricos da produção de efeito
economia de meios
«Economia de meios» significa um mínimo de recursos para um máximo de efeito. Por exemplo, para sonorizar cavalos a galope, pode ser mais prático, económico e eficaz gravar em estúdio duas batatas aos piparotes numa tábua do que ir ao campo gravar o galope dos cavalos. Quase sempre é possível encontrar um ou dois sons simples e suficientes para produzirem uma acção multiplicadora na imaginação do espectador.
impureza do som
«Som puro» é coisa que não existe. O som é sempre filtrado e transformado pelos meios de propagação (ar, paredes, etc.), pelos objectos circundantes que o reflectem, pelo ouvido, pela cultura, por microfones e altifalantes, pelas circunstâncias e factores subjectivos do ouvinte.
Em atenção aos amantes das grandes esquematizações teóricas, vamos reduzir toda a base da sonoplastia a dois princípios fundamentais, ainda que esta incursão filosófica fosse perfeitamente dispensável, em termos práticos.
regra estóica do efeito – ética do som
O estudo da produção de efeito assenta na separação rigorosa entre o objecto, o fenómeno sonoro por ele produzido e o sujeito que o escuta. Esta separação permite-nos abrigar a consciência de que o sentido atribuído pelo ouvinte ao fenómeno sonoro se sobrepõe às características acústicas da fonte emissora.
regra platónica do efeito – mistificação do som
É preciso produzir uma quantidade suficiente de falsidades para obter o efeito de verosimilhança.[2]
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