Uma estratégia cénica e ética de som
Um dos vectores principais do meu trabalho, nos últimos anos, tem sido a procura de integração do som no trabalho pluridisciplinar e colectivo, amalgamando a construção sonora noutras linguagens. Ao longo dos anos, perante os (raros) convites que me foram dirigidos para participar em projectos de criação artística, senti particular entusiasmo por aqueles onde, na prática, não existe uma direcção/autoria hierarquizada e única (no sentido de «aquele que manda», como sucede numa fábrica e na maioria dos trabalhos mainstream de cinema, dança, teatro, etc.). Numa equipa de trabalho pluridisciplinar amalgamada, embora cada qual tenha ideias próprias, o cruzamento mútuo de ideias e métodos é tão forte, que no final é difícil dizer até que ponto o resultado do trabalho individual não é totalmente devedor da intervenção criativa dos demais intervenientes. Nesta situação, embora a noção de autoridade (palavra que, recordemos, deriva de autor) perca sentido, não podemos ignorar que o trabalho de direcção – no sentido de capacidade de dinamizar o trabalho colectivo, apontar e excluir caminhos, isto é, propor uma selecção criativa – é absolutamente essencial e continua presente.
A maioria das bandas sonoras que produzi perdem sentido fora do objecto específico a que pertencem (performance, dança, cinema, instalações, etc.). Esta estratégia resulta incompatível com as veleidades da autoria musical individual, pois é raro podermos pegar numa banda sonora deste tipo, editá-la em disco e dizer ao mundo: aqui está a minha obra, ela vale por si mesma, é autónoma – como se fosse um belo braço que, depois de arrancado ao corpo a que pertence, continua a ter vida própria.
Sendo certo que o público, na sua maioria, continua a ver no sonoplasta sobretudo um músico ou um técnico, esta estratégia prática, conceptual e estética resulta num apagamento do sonoplasta.
Estas páginas, para além de constituírem um esforço de divulgação pública de uma área do conhecimento e das artes pouco debatida em Portugal, também veiculam a defesa teórica de uma visão «cénica» do som e do trabalho pluridisciplinar não hierarquizado.