A validação das representações visuais e sonoras
As observações de Flusser a propósito da fotografia podem ser transpostas para o estudo da gravação e reprodução sonoras, nos seguintes moldes:
Primeiro, a ciência cria uma imagem abstracta do mundo, formulando várias teorias. Depois, essas teorias são aplicadas num aparelho capaz de produzir um registo codificado. Por fim, esse registo é transcodificado na forma de som ou imagem concretos. O resultado final contém tanto o retrato de uma visão abstracta do mundo (o conjunto das teorias científicas que sustentam o aparelho de registo e o aparelho de reprodução), quanto o retrato de um objecto concreto (representação a uma ou duas dimensões de um objecto sonoro ou visual). Por outras palavras, a fotografia e as gravações de som são torres de símbolos construídos em cima de símbolos.
E no entanto, apesar deste labirinto de codificações, o sistema funciona – conseguimos reconhecer os objectos representados, por mais distorcida que seja a meta-representação final. Este sucesso tem a ver com o funcionamento dos nossos aparelhos cognitivo e perceptivo, capazes de, a partir de uma representação da realidade desprovida de uma ou várias das suas dimensões, «reconstituírem» os objectos representados no áudio ou na fotografia.
A fotografia tem apenas duas dimensões, ambas espaciais. Compete ao leitor reconstituir as dimensões em falta nessa virtualidade, de forma a referir a imagem a uma realidade íntegra, no espaço e no tempo.
As sequências sonoras desenrolam-se numa única dimensão (o tempo) e colocam um problema semelhante: compete ao ouvinte reconstituir o objecto retratado, isto é, as três dimensões em falta, o espaço físico e arquitectónico inscrito no som, porque não existe som sem espaço substantivo.
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